Desde 2019, o imóvel onde ela mora, no bairro Queimadinha, está com um buraco aberto no piso do hall de entrada.
Ao ouvir falar em uma sensação de calor vinda do chão de casa, possivelmente, boa parte dos baianos associaria, de imediato, ao inferno. Embora nada tenha a ver com isso, ou com as altas temperaturas registradas em Feira de Santana, a situação vivida pela comerciante Roseane Conceição, de 49 anos, não tem sido fácil. Desde 2019, o imóvel onde ela mora, no bairro Queimadinha, está com um buraco aberto no piso do hall de entrada.
Orientada pela prefeitura do município, ela contratou um pedreiro, para fazer o serviço, por causa do aquecimento que havia no local, na época, segundo o órgão, chegou a 100 °C. Também de acordo com a gestão municipal, o evento voltou a acontecer nessa segunda-feira (17), tendo atingido, aproximadamente, 54 ºC e, depois, 76 ºC.
O motivo ainda está sendo investigado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam) e pela Defesa Civil, com o auxílio da doutora em Química Analítica Hilda Talma, que também é professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Até agora, tudo indica que esteja relacionado ao fato de a residência, na Rua Alcides Fadiga, ter sido construída sobre a Lagoa do Prato Raso, uma Área de Proteção Permanente (APP) aterrada por ocupações irregulares há mais de 30 anos. “Quando eles aterraram, não retiraram a vegetação aquática, que a gente chama de macrófitas”, afirma o diretor de Planejamento e Educação Ambiental da Semmam, João Dias.
Apesar de o fenômeno oferecer risco a toda a vizinhança, se manifestou só na casa de Roseane. “Quando acontecem esses aquecimentos, são por reação química, porque libera energia e, nesse caso, está liberando energia em forma de calor”, explica Hilda.
A química também explica que a abertura no piso contribuiu para ‘aliviar’ a situação. Mas isso não é o bastante: “Como está ali, confinado, não tem como trocar calor, então, vai haver o aquecimento daquela área e pode se expandir até mais”.
Segundo Dias, a Semmam e a Defesa Civil foram ao local pelo terceiro dia consecutivo, ainda na quarta-feira (19), e que um relatório será apresentado nesta quinta-feira (20), assim como foi feito em 2019.
“A gente produziu um relatório, mas, quando abriu o buraco no piso, no outro dia, já tinha esfriado. Dessa vez, não esfriou, e isso causa muita preocupação”, justifica.
Dor de cabeça
Enquanto espera uma solução para o problema, Roseane Conceição, além da sensação de quentura, tem que conviver com o mau cheiro causado pela reação química, que segundo ela, é similar ao de um ‘pneu queimando’.
Mas o que tem mesmo provocado dor de cabeça na comerciante é a possibilidade de ter que deixar sua casa, ainda que temporariamente. No imóvel, que também é o local de trabalho de Roseane, onde ela vende alimentos e bebidas, moram outras quatro pessoas: a mãe, de 80 anos, a filha e dois netos, de 7 e 8 anos, respectivamente.
A proprietária, que adquiriu a casa com as paredes já ‘levantadas’, três décadas atrás, afirma ter recebido da prefeitura uma oferta pelo imóvel. “Eles querem me dar R$ 30 mil na casa. É um dinheiro que não dá nem pra eu comprar um quartinho, pra morar”, se indigna.
Contudo, tanto a Defesa Civil como a Semmam negam a informação. “A gente não pode oferecer nada. O que a Secretaria de Desenvolvimento Social deve oferecer é um Aluguel Social, de 350 reais”, diz João Dias, que acrescenta que isso só aconteceria mais adiante, com o envio de um assistente social. “No momento, nosso caso, aqui, é tratar de relatórios, para esclarecer que o município está tomando providências.”
Ainda segundo Dias, outro caso de aquecimento de piso foi registrado em Feira de Santana, também em 2019, em um condomínio de luxo no bairro Santa Mônica II. Porém, como a dona da casa afetada tinha interesse em vendê-la, não voltou a acionar os órgãos municipais.
“A proprietária fechou a casa, fez uma reforma e, quando o problema diminuiu, ela certamente colocou o imóvel à disposição para vender”, lembra o diretor de Planejamento e Educação Ambiental da Semmam. “Mas, aqui, em Feira, a gente sabe que tem 26 lagoas no perímetro urbano. Várias estão com APP aterrada, e pode acontecer esse problema”, conclui.
Ilustrando o problema
A pedido de Hilda Talma, um professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo/Ufba) vai visitar o local até o fim desta semana, para contribuir com as investigações e, portanto, a elaboração do relatório. Por enquanto, o que se sabe é que não foi constatada a presença de metano, um gás inflamável, na atmosfera.
“A gente desenvolveu um sistema para detectar se havia risco de explosão, por formação de metano. Se houver [metano], é uma concentração bem baixa, não suficiente para haver explosão”, tranquiliza Hilda.
Durante a decomposição de matéria orgânica, necessariamente, se houver oxigênio, é produzido gás carbônico; se não, origina-se metano. “Provavelmente, está ocorrendo a formação do metano, já que é embaixo [da superfície]”, explica a professora da UFRB.
De acordo com a doutora em Química Analítica, o processo é semelhante ao observado em aterros sanitários e lixões, lugares onde há grande concentração de composto orgânico. E, embora se trate de uma fonte de energia, no caso em questão, o metano não poderia ser explorado. “Assim que o material orgânico se esgotar, não haverá produção do gás. Trata-se de uma fonte de energia não renovável”, diz.
O próximo passo deve ser elucidar o que está acontecendo debaixo do chão, por haver acúmulo de gás confinado. “Ontem [terça], nós pedimos que [o piso] fosse perfurado mais profundamente [até o lençol freático]. A temperatura estava em 40 graus na atmosfera; quando a gente perfurou, chegou a quase 80”, detalha a especialista.
A fim de ter uma noção de quão elevada está a temperatura na casa de Roseane Conceição, é preciso remeter às aulas de química e física no colégio: como a água encontrada estava borbulhando, significa que estava fervendo.
Para isso, ao nível do mar, precisa atingir 100 ºC, e se mantém nessa temperatura até virar vapor. A água que sai do chuveiro elétrico, por exemplo, pode chegar a 50 ºC, e a lava de um vulcão, a 1.200 ºC.
Segundo Hilda, no ‘buraco quente’ em Feira de Santana, daria para fritar um ovo com facilidade e cozinhar alimentos. “Um pão, um legume, arroz… enfim, qualquer alimento. Vai depender do tempo que for deixado em contato e da quantidade”, ilustra.
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Fonte: Correio