Médicos alertam: “Não existe fórmula para emagrecer”

A médica explica que a grande preocupação de tais medicamentos é o risco de toxicidade para o fígado, órgão responsável por metabolizar as substâncias presentes no organismo.

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A morte da cantora Paulinha Abelha, da banda Calcinha Preta, no final de fevereiro, pegou o Brasil de surpresa. Após passar quase duas semanas internada em um hospital de Aracaju (SE), a artista faleceu aos 43 anos, vítima de quatro doenças associadas: meningoencefalite, hipertensão craniana, insuficiência renal aguda e hepatite, que podem ter sido causadas por substâncias encontradas no corpo da cantora, entre as quais anfetaminas, redutores de apetite e uma fórmula que promete reduzir medidas, manipulada com a erva asiática garcinia cambogia.

A tragédia reacendeu o debate a respeito de uma constante preocupação da comunidade médica: o uso de medicamentos, ervas e substâncias tidas como emagrecedoras e que podem ser compradas e utilizadas sem prescrição ou orientação de profissional habilitado. Segundo o hepatologista Raymundo Paraná e a endocrinologista Iane Gusmão, tal prática é bem comum entre a população baiana. 

“É frequente ter complicações causadas por esse uso indiscriminado. Já atendi paciente com lesão hepática grave porque não bebia água e passava o dia todo tomando chá emagrecedor. Teve também uma época em que muita gente estava tomando as tais fórmulas para emagrecimento, o que pode levar a problemas cardíacos como a arritmia”, conta a endocrinologista.

A médica explica que a grande preocupação de tais medicamentos é o risco de toxicidade para o fígado, órgão responsável por metabolizar as substâncias presentes no organismo. “Algumas fórmulas podem ser tóxicas a ponto de causar insuficiência hepática fulminante, que é quando o órgão para mesmo de funcionar. Outra questão é a perda de líquidos, associada aos remédios tidos como diuréticos, que fazem urinar muito. Com o aumento da diurese, a pessoa pode perder minerais como sódio, potássio e magnésio, o que pode levar a problemas no coração (arritmia cardíaca) e rins (insuficiência renal)”, diz ela. A venda e a prescrição de fórmulas estapafúrdias, sem nenhuma base científica está fora de controle Hepatologista Raymundo Paraná,

Professor titular da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e membro da Sociedade Brasileira de Hepatologia, o médico hepatologista Raymundo Paraná afirma que, semanalmente, atende pacientes com algum tipo de problema no fígado por causa do uso de substâncias que prometem o emagrecimento. “Felizmente, a maioria dos casos é leve, então a gente suspende essas medicações e o paciente melhora, mas não há uma semana sem eu ver dois ou três pacientes assim”, relata.

Para o hepatologista, a alta de casos, observada a partir de 2010, está diretamente relacionada às redes sociais e ao uso da internet, onde é possível não só ver propagandas de produtos que prometem reduzir o peso, como também comercializá-los e comprá-los. “Essas fórmulas para emagrecer não são iguais, cada vendedor ou prescritor faz a sua, juntando medicamentos antagônicos e com interações medicamentosas nefastas, que podem causar sérios danos. A venda e a prescrição de fórmulas estapafúrdias, sem nenhuma base científica, está fora de controle. Infelizmente, isso tem um forte apelo comercial, pois rende muito dinheiro”, conclui.

A quantidade crescente de casos envolvendo os tais “emagrecedores” e suas implicações no organismo motivou a criação de um grupo de estudos no Hospital das Clínicas, do qual Raymundo Paraná participa. Recentemente, os especialistas passaram a pesquisar junto a um consórcio que envolve pesquisadores no Uruguai, Argentina e em Málaga, na Espanha, para compreender os danos no fígado causados por substâncias tóxicas.

Segundo o hepatologista, os medicamentos mais perigosos e utilizados com o intuito de emagrecimento pertencem a três grupos: as drogas (anfetamina, antidepressivos e remédios para diabetes), os medicamentos tidos como naturais (ervas, plantas e raízes) e os anabolizantes. Dias após uma enfermeira falecer, em São Paulo, vítima de hepatite fulminante ligada a um chá em cápsulas que mistura 50 ervas diferentes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou uma lista com mais de 140 produtos similares que estão suspensos no país .

O natural que não faz bem

Entre as substâncias condenadas por Paraná, duas foram encontradas no corpo de Paulinha Abelha: as anfetaminas e a garcinia cambogia. Ele diz que a anfetamina pode causar efeitos colaterais graves, não só no fígado, como também arritmia cardíaca e efeitos psiquiátricos. Já a garcinia cambogia é descrita na literatura médica como potencial causadora de hepatite grave.

Segundo o médico, um grande empecilho para a conscientização das pessoas é a ideia de que plantas, ervas e raízes, por exemplo, são isentas de riscos por terem vindo de natureza, e que medicamentos, shakes e alguns pós à base desses ativos são ‘naturais’ e seguros. De acordo com ele, atualmente existe mais descrição de toxicidade desse tipo de medicamento do que dos ditos alopáticos, que passam por ensaios clínicos. 

“Existe uma série de ervas que já possuem notificação por toxicidade e outras tantas sem estudo ou comprovação científica, por meio de testes em humanos, que são utilizadas nestes remédios. Esses produtos, vendidos como naturais, quando usados em altas dosagens, apresentam muitos riscos, e isso é algo já comprovado cientificamente”, explica.

“A questão é que a gente precisa ter muito cuidado com automedicação e substâncias tida como naturais. Não existe fórmula mágica, chá mágico para emagrecer, nada disso. O que existe é o risco de hepatoxidade”, afirma também Iane Gusmão.

Conforme os dois médicos, o perigo fica ainda maior quando diferentes ingredientes são combinados, como foi o caso que era usado pela enfermeira paulistana que morreu no início de fevereiro.

“A combinação desses chás multiervas, sem documentação científica, apresenta ampla toxicidade. Essas preparações com ervas obedecem modismos, as pessoas inventam uma determinada ação, que não existe documentada, colocam na internet e os compradores acabam se tornando presas fáceis. É um alerta que sempre faço aos meus pacientes: o fígado é um órgão silencioso, ele não dói, não causa dor de cabeça, não deixa boca amarga. Na maioria das vezes, se a agressão é leve, não há sintomas. Então, é preciso manter o cuidado”, pontua Raymundo.

Fonte: A Tarde

				
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